FAQ

Morfina vicia?

Esta com certeza seria uma das perguntas mais rotineira em um ambulatório de cuidados paliativos em oncologia. A resposta mais correta seria: sim e não. Para entrar nesta discussão é imprescindível que antes se entenda 3 conceitos básicos:

Vício: refere-se a um complexo fenômeno. Sua principal característica é a dependência psicológica em drogas (ou fármacos) e alterações comportamentais caracterizadas pelo uso contínuo desta substância a despeito do dano.

Tolerância: necessidade de se aumentar a dose para se obter um mesmo efeito ,ou, dizendo de outra forma, seria a dminuição do efeito de uma determinada dose ao longo do tempo. A tolerância é diferente para o efeito analgésico e para os efeitos adversos. A tolerância analgésica demora algum tempo para ocorrer, e normalmente o aumento de doses dos opióides ocorre devido ao aumento da dor (devido a progressão da doença). A tolerância aos efeitos adversos (náusea e sonolência) ocorre dentro de alguns dias, ou seja no incío do tratamento (ou quando se aumenta a dose) é esperado que o doente apresente estes sintomas e que eles diminuam com o passar dos dias (caso o sintoma não diminua ou seja muito intenso o médico deverá ser comunicado com urgência); outro efeito adverso é a constipação e neste caso específico a tolerância não ocorre ou quando ocorre é muito lenta e portanto o doente que está em uso de opióides apresentará este efeito adverso por muito tempo.

Dependência Física: é o resultado de alterações neurofisiológicas que ocorrem frente a administração de um fármaco (medicamento) exógeno. Respostas similares ocorrem na administração de outros fármacos como os benzodiazepínicos (popularmente conhecidos como "calmantes"). A principal característica clínica é a ocorrência de síndrome de abstinência quando o fármaco é suspenso abruptamente.

Diante do exposto faço 2 comentários:

  1. Morfina pode viciar sim, mas a incidência com que isso ocorre é muito baixa e não deve  ser uma barreira para seu emprego nos doentes com câncer.  A própria Organização Mundial de Saúde recomenda o uso de morfina no tratamento da dor no câncer. Apesar disso, atenção deve ser dada aos doentes com história prévia de vício.
  2. A prescrição tanto da morfina, como a de outros opióides (tramadol, codeina, fentanil, oxicodona e hidromorfona)  deve ser feita por um médico que deverá acompanhar o doente durante o uso da medicação (para um adequado alívio da dor e evitando-se a ocorrência da síndrome de abstinência). Caso o médico identifique um comportamento de abuso ou vício ele tomará as providências necessárias.

Resumindo-se: morfina é um analgésico eficaz no alívio das dores do câncer e apesar dos efeitos adversos e potenciais riscos, seu uso é indicado no tratamento das dores dos doentes com câncer e sempre deve haver supervisão médica.

 

Fontes:

American Psychiatric Association          https://www.psychiatry.org/

Emanuel LL, Ferris FD, von Gunten CF, Von Roenn J. EPEC-O: Education in Palliative and End-of-life Care for Oncology. © The EPEC Project,™ Chicago, IL, 2005 ISBN: 0-9714180-9-8

World Health Organization                     https://www.who.int/cancer/palliative/painladder/en/